domingo, 23 de março de 2014

O orgulho: a mãe de todas as fraquezas

O orgulho é uma grade que nos prende
 para fora da nossa própria vida.
Demorei muitos anos a admitir para mim mesmo que era uma pessoa muito orgulhosa. O orgulho era tão grande que eu sequer cogitava a possibilidade de ter uma “fraqueza” como essa. Ao mesmo tempo, passei muito tempo procurando entender o que se passava na mente de uma pessoa orgulhosa, sem me dar conta de que poderia fazer esse exercício comigo mesmo.

Uma pessoa orgulhosa não admite falhas. Não admite fraquezas, erros, deslizes. Para ele, o mundo está completamente errado, as pessoas fazem tudo errado. E só ele está certo.

Um orgulhoso de carteirinha não se permite errar jamais, e prefere não arriscar nunca. Afinal, ele cobra tanto dos outros a tal ponto de se envergonhar com a possibilidade de que os outros façam o mesmo com ele.

Um orgulhoso tenta prever todo o futuro, mesmo possuindo conhecimento escasso e visão limitada sobre o assunto. Logo, ele sempre acaba sendo pessimista e prefere não dar um único passo a frente.

Um orgulhoso nunca quer mudar. A mudança é sempre uma ameaça para um orgulhoso. Sua atual situação de vida é confortável, e ele julga ter pleno domínio dela. Por esse motivo, não quer encarar situações onde tenha que conviver com o novo e onde possa dar de cara com situações que podem exigir mais e que podem expor ao erro, à fraqueza, à vergonha.

Um orgulhoso vê a felicidade, o sucesso, o amor e tudo aquilo que consideramos bom na vida como algo óbvio e normal, acredita que o mundo inteiro já deveria estar nessa situação a tempos. No entanto, acredita que as outras pessoas só estragam essa realidade.

O orgulhoso não vibra com seus próprios momentos de felicidade e prazer. Acredita que esse é o estado normal das coisas. Consequentemente, vive frustrado pelo fato de quase tudo não se encaixar em seu plano perfeccionista. Vive enfurecido com tudo, por que tudo dá errado. Não confia nas pessoas por elas serem tão instáveis.

Não confia em nada que tenha vulnerabilidade e possibilidade de mudar de curso. Para um orgulhoso, as pessoas e as coisas devem permanecer iguais sempre, pois do contrário elas perdem sua identidade. Automaticamente, ele faz isso consigo mesmo, evitando mudanças.

O orgulhoso acredita que o erro, a fraqueza, as dificuldades e os males que o mundo enfrenta são coisas extraordinárias e absurdas. Ele tem vontade de condenar todas as pessoas que provocaram essa situação, como se todos tivessem um dia tirado o mundo de sua zona de conforto. Como se o mundo precisasse de uma zona de conforto e todo mundo precisasse se dar bem e ser feliz sempre.

O orgulhoso acredita em um mundo utópico. Porém, sempre do jeito dele. E por enxergar a possibilidade de um mundo utópico, acredita que somente ele tem uma visão tão avançada, que ele tem a solução para o mundo. No entanto, é sempre o outro que precisa mudar, é sempre ele que precisa ser compreendido.

Uma pessoa orgulhosa não se permite. Ela não quer deixar sua vida seguir diante de uma nova possibilidade, pois para ele tudo pode dar errado, e ele vai perder o seu falso status de pessoa infalível.

Um orgulhoso quer ser o melhor em tudo: o melhor aluno, o melhor profissional, o melhor namorado, o melhor filho, o melhor jogador de futebol da sua rua, o melhor surfista de Arroio do Sal. Provavelmente, o orgulhoso vai continuar estudando, namorando, trabalhando, jogando futebol ou praticando surf se ele sentir que pode ser o melhor e se acreditar que realmente é bom. Entretanto, ele irá se sentir horrível ao constatar que pode falhar em qualquer uma das suas atividades, e irá abandoná-las, com o pretexto de que não gosta mais. Irá, inclusive, julgar mal quem o fizer dali em diante.

O orgulhoso sempre se colocará como vítima. Vítima dos outros e vítima de si mesmo. Ele irá até mesmo abrir mão de sua capacidade de fazer as coisas acontecerem e de tomar decisões e fazer escolhas para sua vida. Na posição de vítima ele poderá continuar acreditando em seus ideais e escondido no medo de colocá-los em prática, sempre com a desculpa de que alguém ou alguma coisa o impede. Dificilmente um orgulhoso consegue ser dono de sua própria vida.

Você jamais ouvirá da boca de um orgulhoso termos como “não sei”, “nunca vi”, “não conheço”. O orgulhoso prefere enrolar ou mentir do que dar o braço a torcer e confessar que não sabe ou não conhece.

O orgulhoso é um dos piores tipos com quem se conversar. Ele sempre irá se gabar de seus feitos, irá falar muito bem de si mesmo, e irá detestar discussões. Se ele se envolver nela, terá que sair ganhando.

O orgulhoso vive em uma competição frenética. Ele sabe que tem outras pessoas orgulhosas ao seu redor, e quer sempre se mostrar o melhor de todas elas. O orgulhoso compete também consigo próprio, porém ele sempre se sente derrotado.

Um orgulhoso, mesmo que saiba que a outra pessoa tem razão, irá defender seu ponto de vista até o fim. Será capaz, inclusive, de fazer de tudo para provar para outra pessoa que ela está errada, ainda que intimamente concorde com ela.

Os orgulhosos adoram manuais de instrução. Acreditam que tudo na vida deve ter um manual e que esse manual deve ser seguido cegamente. Acreditam no poder do cumprimento das regras. Crê que o mundo possui regras inquestionáveis, e que se todos seguissem essas regras, seriam mais felizes.

Uma pessoa com tantas características influenciadas pelo próprio orgulho pode ser um verdadeiro monstro se nunca tiver a capacidade de controlar ou tentar engolir de alguma forma o seu comportamento orgulhoso. E, para isso, faz-se necessário o exercício de tentar descobrir o motivo pelo qual existe a necessidade de ser uma pessoa a prova de erros.

Falando por mim, sempre tive problemas com rejeição e carência. Por muitos anos me senti uma verdadeira pedra. Uma pessoa que não fazia a menor diferença para ninguém. Alguém que era rejeitado, deixado de lado, ignorado. Um rapaz de poucos amigos, talvez nenhum deles verdadeiro. Fui criado com muitas exigências e com ameaças constantes. Raramente era reconhecido quando fazia algo de bom, nunca ouvia palavras de carinho e nunca sentia que alguém me quisesse bem.

Então, a única forma de chamar a atenção de alguém era fazendo algo um pouco acima do normal. Foi assim que eu me tornei um estudante muito aplicado. Ganhava elogios das professoras e os colegas se aproximavam por interesse, e eu não me sentia mais sozinho. Até hoje tento ir acima da média em todos os quesitos da vida para sustentar a falsa ilusão de que somente assim conseguirei ser visto e respeitado pelos outros. Para garantir que ninguém mais vai fazer chacota comigo ou ignorar minha existência.

Sempre que fazia algo considerado errado, era duramente repreendido.  Então, desenvolvi em minha mente a ideia de que não poderia falhar nunca. Carrego para minha vida o sentimento de que eu não posso errar, que não posso decepcionar, que não posso ser fraco ou fazer algum mal. Por consequência, durante a vida toda nunca consegui ter paz e sossego. Vivia com o peso de tentar ser uma pessoa extraordinária, esquecendo-me de que eu era apenas um ser humano.


Quiçá o melhor dos métodos contra o orgulho é lembrar-se justamente de que somos meros seres humanos, e que a vida é muito simples. Um dia não estaremos mais aqui, mas tudo irá continuar sem nós. Não temos nenhum poder extraordinário de influenciar no processo da vida. Por mais que teimemos em querer as coisas do nosso jeito, a vida seguirá fluindo naturalmente, ignorando nosso desejo de assemelhar-se a Deus.

Não somos e nem precisamos ser os melhores. Podemos apenas sermos nós mesmos. 

Não precisamos competir com ninguém, não há parâmetro algum que determine se um ser humano é melhor do que o outro. Podemos simplesmente buscar apenas melhorar a nós mesmos todos os dias.

Não precisamos ter vergonha ou nos sentirmos mal por abrir o coração e mostrar nossas fraquezas e nossas angústias. Podemos ser francos e transparentes, de tal forma que estaremos nos nivelando aos outros, e não tentando ser superior a eles.

Não precisamos nos desgastar tanto em querer que tudo dê certo, mas podemos simplesmente compreender e aceitar as coisas como elas são. 

Não precisamos nos prevenir a todo o momento de possíveis coisas erradas que possam acontecer. Podemos apenas arriscar, ver o que vai dar, acreditar em todas as possibilidades e descobrir novas realidades, realidades que nem imaginávamos existir.

Não precisamos sofrer tanto com nossa própria timidez. Não somos o centro das atenções, cada pessoa tá mais preocupada consigo mesma, então dane-se, façamos o que tivermos vontade. 

Não precisamos colocar o peso do mundo em nossos ombros, mas podemos unicamente fazer com humildade o melhor que podemos, reconhecendo que podemos estar totalmente errados. 

Não precisamos esperar que a felicidade tenha que ser a rotina obrigatória e que a tristeza seja algo extraordinário. Podemos viver de forma totalmente contrária, acreditando que a tristeza, as dificuldades, os erros e as fraquezas sejam elementos que fazem parte normalmente do nosso dia a dia. Assim, teremos a capacidade de sorrir a cada conquista, por menor que ela seja, todos os dias. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Por que desejamos ser superiores?

Até quando viveremos em ritmo de maratona?
Será que devemos mesmo correr o tempo todo
 para mostrar que somos melhores que os outros?
A humildade sempre foi uma das virtudes que mais admirei em alguém. Adorava constatar quando alguém fazia algo que poderia ser considerado bom, caridoso e útil e, mesmo assim, não ficava contando vantagem, não se considerava especial e não se exibia para ninguém. O mérito da conquista e da ação pareciam ainda mais enaltecidos. De tanto admirar a humildade, comecei a acreditar que também era humilde ou, ao menos, podia ser. É como se a humildade pertencesse aos nobres de espírito. Mal sabia que, na verdade, estava cada vez mais preso a uma outra grade da alma, quase sem perceber: o desejo de ser superior aos outros. Mais do que isso, o desejo de mostrar aos outros de alguma forma como eu era superior.

Hoje em dia é comum constatar o mesmo desejo de ser superior em grande parte das pessoas. Daí me pergunto, não será isso algo natural? Mas arrisco dizer que não. Percebo que nossa atual sociedade de consumo vivencia uma feroz e silenciosa competição entre seres humanos. Essa competição é estimulada pelo próprio sistema, que cria a ilusão de que podemos nos diferenciar de outras pessoas ao consumir determinados produtos e serviços. Assim, somos condicionados a acreditar que seremos uma pessoa acima da média, única e especial se vestirmos determinadas roupas, comermos determinados alimentos, termos determinadas características físicas, frequentarmos determinados lugares, adquirirmos determinados produtos, viajarmos para determinados lugares, andarmos com determinadas pessoas, entre muitos outros. O sentido de toda a vida se resume a essa corrida para ser o melhor de todos, em todos os aspectos. 

Em algum momento que não me recordo, escolhi alguns aspectos em que poderiam fazer de mim alguém superior aos outros, acreditando nessa ideia até hoje. Quesitos como viagens, cursos, estudos, vida profissional, quantidade e qualidade de amigos, agenda social lotada e tantos outros ainda são utilizados por mim como conquistas pelas quais posso me gabar. Sem perceber, acabo deixando muito claro para as pessoas que gostaria de ser admirado por tudo isto, quem sabe até mesmo invejado. Carrego o sentimento de vitória em relação a determinadas conquistas, mas, afinal, com quem estava lutando para ser vencedor de algo? Será que era só comigo mesmo ou era também com todos aqueles que possivelmente desejariam estar no meu lugar? Por fim, a mais intrigante de todas as questões: por que eu deveria gastar a energia de uma vida inteira baseado unicamente em sustentar triunfos de ostentação? 

A superioridade não para por aí. Conviver com ela nos impede de provocar mudanças em nossas vidas. Ter que começar do zero nos torna meros aprendizes, e não é o que desejamos. Tentar ser superior o tempo todo implica em dar uma resposta falsa, mas jamais admitir que não se sabe fazer ou responder algo. A superioridade nos afasta das pessoas, cria atritos, machuca. Com ela, queremos sempre ter razão, e cada conversa parece uma batalha para mostrar que somos os melhores. O tempo todo deixamos transparecer nosso desejo de sermos vistos como alguém foda. Nos revoltamos com quem quer chegar lá também, e enxergamos no outro a mesma falta de humildade que é nossa própria característica. 

Será que é possível estar livre do desejo de ser superior? Acredito que ao estarmos livres do sentimento de superioridade, reconhecemos nossa pequeneza e ignorância perante a vida. Nos colocamos em nosso lugar, sabendo que temos tantos defeitos como qualidades, e que não há ninguém abaixo ou acima de nós. Também aprendemos que não haverá nada que nos torne pessoas melhores do que os outros. Aprendemos que não temos o direito de dar lições de moral em ninguém nem o dever de ensinar as pessoas, ainda que a força, a descobrirem o sentido da vida. Descobrimos que ao seguir nosso próprio coração, daremos a nós mesmos e ao mundo pequenas e únicas colaborações que tornarão a vida melhor. Nem por isso precisaremos ter mérito ou reconhecimento, estaremos contentes com a paz que se instalará em nosso coração. 

Constatamos também que não é necessário correr, tampouco competir. Para isso, basta notar em como a vida se torna leve e simples quando tiramos a responsabilidade dos nossos ombros de sermos os melhores o tempo todo. Automaticamente, nos damos o direito de ousar mais, errar mais, arriscar-se mais, passar mais vezes por bobo ou ridículo, fazer coisas consideradas anormais. E saberemos que, mesmo fazendo tudo isso, não seremos inferiores nem superiores a ninguém, embora tenhamos uma grande alegria internamente. 

Assim como outras prisões, também não é muito fácil lidar com o desejo de ser superior. Quando menos espero, estou lá querendo convencer os outros de como sou bom. Faz parte de mim, é difícil de combater, mas acredito que naturalmente as coisas vão se adaptando aqui dentro. Ao menos já tenho em mente que não sou nada além de um mero ser humano, mesmo que tenha que travar uma luta com meu próprio ego o tempo todo. 

Além disso, me deparo a todo momento com pessoas que também tentam demonstrar superioridade. Uma das formas por meio da qual tenho tentado lidar com a situação é buscando compreender, ouvir, entender e ceder. Ceder, nesse caso, não significa abrir mão das próprias ideias, mas sim abrir mão de tentar convencer os outros sobre nossas escolhas. 

Penso em alguns momentos que nosso desejo de ser superior é responsável por alguns consideráveis avanços e determinadas conquistas. Mas qual será o sentido dessas conquistas? Será que elas realmente nos fizeram bem? Ou apenas nos trouxeram um vazio, deslocando nossa atenção para outros fatores de nossa vida nos quais ainda não somos superiores? 

Pode ser que o desejo de ser superior seja mesmo algo natural. Pode ser que não. Pode ser também que o simples fato de ter um blog como este e desejar ter leitores assíduos seja o meu ego tentando mostrar superioridade em algo, como um talento que julgo ter para a escrita. Pode ser que seja saudável, pode ser que não. Mas creio que esta é uma das grandes prisões que temos em nossa vida. Ou, ao menos, uma das prisões que eu tenho, da qual um dia quero estar livre. Pode ser que a luta para se livrar desta prisão dure a vida toda e ainda não termine, mas acredito que terei dado alguns passos na minha própria evolução quando conseguir ser verdadeiramente humilde, ou seja, sendo realmente bondoso, sem exigir nenhum mérito, reconhecimento ou admiração em troca. 

Por fim, devemos deixar de acreditar que uma vitória só existe se houver uma competição na qual outras pessoas tenham sido derrotadas. Seria interessante viver sem competir o tempo todo. Com a inexistência de uma competição, todos são vencedores sempre!

quinta-feira, 6 de março de 2014

Nossos ideais: como nos livrar deles?

Somente contemplando nossa pequenez podemos nos permitir ser
exatamente o que somos: seres humanos.
A inauguração deste blog não poderia se realizar com tema diferente. Afinal eu, o autor, sempre trancafiei minha alma em toda a sorte de grades. Seguramente, a maior de todas as prisões em que me encontrei e ainda me encontro tem a ver com meus ideais. Ideais, estes, que surgiram nos recônditos do meu ego e que transformaram-se em uma verdadeira armadilha.

Desde criança a vida me concedeu o privilégio de viver diferentes experiências. Algumas que considerei boas mas não me fizeram bem, outras que pareceram um desastre mas que resultaram em consequências positivas. Graças a essas experiências, acrescidas de leituras, documentários, programas televisivos, conversas com os avós e estudos feitos por conta própria, me dei o direito de idealizar um mundo melhor. Esse mundo melhor estaria livre de religiões, de futebol e de tudo aquilo que considero como viciante ou nocivo. Em nenhum momento cheguei a perceber que tratava-se de uma visão particular sobre as coisas. O ideal que construí parecia ser universal, o mais correto de todos, o que certamente resolveria todos os problemas, aquilo em que ninguém ainda havia pensado. Por consequência deste ufanismo, vivi muitos anos frustrado. Afinal, eu nunca me vi responsável ou capaz de fazer algo para que o mundo correspondesse ao meu ideal. O mundo também nunca mudou sozinho. Internamente, lamentava o fato de tudo estar "errado", de cabeça para baixo. Gastei muita energia querendo que as coisas fossem do meu jeito. Até que descobri, finalmente, que meu ideal era uma ilusão. Por que? Simples. Bastava olhar o mar de longe. Bastava olhar um pouco para as estrelas no céu. Bastava fazer qualquer coisa que me lembrasse o quão pequeno e insignificante sou diante do Universo, o qual certamente seguiria normalmente seu curso sem mim. Com tamanha imensidão e com tão pouco conhecimento, quem sou eu para estabelecer o que é bom ou ruim para o mundo? E se tudo aquilo que estivermos vivendo for o melhor para todos? Dessa forma, resolvi me libertar da ilusória responsabilidade de alguém que sabe o que é certo e o que é errado, me permitindo aprender, conhecer e viver experiências que estavam além da minha visão de mundo, antes tão limitada. Larguei de mão de ser fiel ao meu ideal. Afinal, para que precisamos dessa fidelidade? Será que é para sustentar nosso orgulho?

Houve outro ideal que também me acompanhou por muito tempo, talvez ainda me acompanhe: aquele que eu criei sobre minha própria pessoa. Isso mesmo. Imaginei em algum momento como se comportava e qual era a aparência de uma pessoa nobre e perfeita e, desde então, tenho condicionado toda a minha vida de tal forma que ela se encaixe nesse padrão. Na minha cabeça, a pessoa perfeita tinha que ser alta, magra e sem espinhas. O cabelo tinha que ser bonito e prático, os olhos preferencialmente azuis. Porte atlético. Sorriso bonito. Gel no cabelo e perfume em excesso. Tinha que conversar com todos, ser simpático e conquistar todas as garotas para si. Tinha que ser estudioso, um 9,9 era inaceitável quando se podia tirar um dez. Tinha que obedecer todas as ordens dos pais, professores e chefes à risca, sem fazer nada além do que mandava. Não podia ficar por ficar ou sair por aí beijando bocas ao léu. Só se permitiria gostar de uma garota se visse nela características parecidas, pois essa sim seria para a vida toda. Agora, imagine uma pessoa que não tem olhos azuis, cheia de espinhas, barriga proeminente e profundamente tímida tentando a vida inteira, de todas as formas, chegar a esse resultado. Naturalmente, a frustração de nunca ter chegado lá me acompanhou o tempo inteiro, fazendo eu acreditar que era um fracassado. E quando alcancei alguns objetivos dentro desse padrão absurdo, me frustrei ainda mais. Aprendi, ainda que tarde, que não adianta esperar regras prontas da vida, que tudo é realmente muito instável e que só nós podemos ser nossos próprios chefes. Aprendi que tirar 7 ou 10 na prova tem o mesmo efeito, e que não será ela a determinante de caráter ou competência. Ser simpático não podia ser confundido com ser passivo, conforme fui. A solução para esta situação foi muito simples: percebi, consternado, que não precisava seguir padrão algum para minha vida. Podia, apenas, ser eu mesmo. Com tudo aquilo que eu achava que era defeito e com todas as qualidades que talvez sejam minhas características. Afinal, sou um ser humano normal, frágil, dotado de acertos e erros. Apenas mais uma minúscula partícula no Universo que se leva muito a sério. 

Convivo com muitos outros ideais, a exemplo de como seria um namoro ideal, uma família ideal, um futuro ideal, uma profissão ideal, dentre tantos outros. São verdadeiros paradigmas que construí, e com quase todos tenho tentado fazer o mesmo exercício: perguntando a mim mesmo se preciso disto. Geralmente a resposta é negativa. No entanto, não é tão simples livrar-se da grade dos ideais. É como se perdêssemos o rumo de nossas vidas. Até por que, tudo o que fazemos todos os dias é regido por aquilo em que acreditamos. Como viver sem seguir aquilo que sempre nos orientou? Mas a confusão inicial vem acompanhada de uma agradável sensação de liberdade, leveza e paz. Tudo na vida passa a ser encarado de uma forma mais otimista, nos tornamos mais compreensivos, mais tolerantes e mais amáveis. Nos tornamos flexíveis. Passamos a considerar muitas possibilidades que não permitíamos antes. Quebramos preconceitos e rompemos uma barreira atrás da outra. De repente, parece que nada na vida será forte o suficiente para nos fazer mal, visto que aprendemos a derrotar nosso maior inimigo: nós mesmos. 

É maravilhoso constatar que nossos ideais não são correntes que fatalmente nos acompanharão durante toda a existência, mas apenas um fardo. Um fardo que nós mesmos um dia resolvemos criar. Logo, da mesma forma que escolhemos criá-lo, podemos seguir sem ele. Ao me libertar de alguns dos meus ideais, percebi que poderia voltar à minha condição de ser humano, com todas as minhas dúvidas e indagações, vivendo cada dia como um explorador da vida, descobrindo novos lugares e novas perspectivas todos os dias.